Os gurus de autoajuda multiplicam-se algoritmicamente em pre-rolls, canais de YouTube e redes sociais. Todos têm a solução para sermos mais produtivos, realizados e felizes. E qualquer um pode ser agente desta indústria milionária. Mas, com tanta autoajuda, por que parecemos cada vez mais infelizes?
A valer cinquenta mil milhões de dólares em 2024, a indústria da autoajuda é muito apelativa. Não admira que apregoem que o trabalho é a fonte da felicidade, bastam apenas quatro horas semanais (e quem ganha à hora?). Ou acordar às cinco da manhã para exercício, meditação, escrever no diário, trabalhar, sair com os amigos e estar com a família (dormir é para falhados). Ou trabalhar devagar (digam isso ao meu chefe).
O cancro da autoajuda é o “auto”. Para os gurus, a culpa de sermos infelizes, solitários e doentes é, claramente, nossa. Não será pelos factores complexos que regem a economia, nem pela ganância de quem já tem muito. Não pensem que a razão do dinheiro que vos falta é a sua má distribuição e a desvalorização dos trabalhadores. Não pensem que o cansaço que sentem é de terem um mau ambiente no trabalho, ou porque passam o tempo a ver os outros a mostrar que são felizes, e gostariam de mostrar ser tão “felizes” como eles. Não é a vida, são vocês. Mas o pack ‘livro+curso+retiro’ é a solução. Últimos lugares disponíveis, comprem já!
Esta visão de auto-responsabilização por tudo de mau que se passa na nossa vida e no mundo, como se as alternâncias do dia e da noite, do frio e do calor, do bom e do mau estivessem dependentes de cada indivíduo, isola-nos. E o isolamento leva a clivagens e oposições. Ao focarmo-nos em nós obliteramos o outro. A consequência é a destruição do social, que é bem mais do que ter amigos e sair de vez em quando.
A autoajuda, como um relógio parado, está certo dois minutos por dia. É uma ilusão de progresso, mas que nada muda. Mesmo assim, há quem olhe para ele para saber as horas.
Dica grátis: bloqueiem a autoajuda. Peçam ajuda a um especialista e ajudem os outros.