A tecnologia que transforma o corpo humano numa fábrica de criação de vacinas antivírus trouxe a esperança de acabar com a actual pandemia de COVID-19, mas não vai parar por aqui. Possíveis pandemias futuras e mesmo certos tipos de cancro podem ser as suas próximas “vítimas”.
O sucesso anunciado nos testes das vacinas baseadas em ácido ribonucleico mensageiro (mRNA) da Moderna e da Pfizer, que trabalha em conjunto com a alemã BioNTech são as primeiras provas de que o conceito funciona.
Segundo os anúncios de ambas as empresas, as duas vacinas experimentais conseguiram taxas de eficácia acima de 90%, o que superou as expectativas iniciais e que as coloca muito acima do limite de 50% necessário para obter aprovação dos reguladores.
De acordo com um estudo publicado em 2013, uma vacina desenvolvida através do método tradicional de criação de vacinas, que funciona através da utilização de versões enfraquecidas, ou mortas, de um vírus, para estimular o sistema imunitário do corpo humano, demora em média mais de 10 anos a desenvolver. Por exemplo, uma vacina contra a gripe demorou mais de 8 anos e a vacina contra a Hepatite B, 18 anos.
Em contraste, a vacina desenvolvida pela Moderna foi desde o sequenciamento do genoma do vírus ao primeiro teste em seres humanos em apenas 63 dias.
Tanto a vacina da Pfizer, como a da Moderna podem chegar ao mercado quase 12 meses após o aparecimento dos primeiros casos de COVID-19.
Existem mais concorrentes nesta corrida que também têm vacinas baseadas na tecnologia de mRNA, como é o caso da alemã CureVac, mas ainda não iniciou os testes finais. A empresa espera receber a aprovação em meados do ano que vem.
Um problema velho com uma nova solução
O mRNA foi descoberto em 1961 e transporta mensagens do ADN do corpo para as células ordenando-lhes para produzirem as proteínas necessárias para funções críticas, como a coordenação de processos biológicos como a digestão ou combater uma infecção.
As vacinas experimentais da Moderna e do consórcio Pfizer/BioNTech utilizam mRNA fabricado em laboratório para produzirem uma proteína do Coronavírus, que criam uma resposta do sistema imunitário, sem a necessidade de se usar o vírus. Em 1990, uma equipa de cientistas conseguiu fazer com que ratos produzissem uma proteína específica através da injecção de mRNA, o que sinalizou o potencial desta tecnologia.
No entanto, os primeiros cientistas envolvidos nesta descoberta, como Katalin Kariko, a cientista húngara que é vice-presidente da BioNTech encontraram vários obstáculos como a instabilidade do mRNA no corpo e a sua propensão para causar respostas inflamatórias.
Em 2005 foi feito um avanço significativo, quando uma equipa da Universidade da Pensilvânia, de que Kariko faz parte, descobriram um método de usar o mRNA, sem fazer com que o sistema imunitário respondesse descontroladamente.
Foram precisos 15 anos e uma pandemia para chegar à beira do sucesso desta tecnologia.
Para além da eficácia, esta nova tecnologia traz uma grande vantagem e um grande desafio em relação à tecnologia de fabrico e distribuição de vacinas.
Para produzir uma vacina tradicional é necessário construir linhas de produção que podem custar até 700 milhões de dólares (cerca de 600 milhões de euros). Segundo a Lonza, uma empresa de fabrico de produtos farmacêuticos, o investimento inicial para produzir os primeiros 400 milhões de doses da vacina da Moderna ronda os 70 milhões de dólares.
O principal desafio que se vai pôr às empresas farmacêuticas e aos governos assim que a vacina contra a COVID-19 estiver pronta a ser distribuída tem a ver com a logística porque, por exemplo a vacina da Pfizer tem de ser transportada e conservada a -70 graus centígrados. Por outro lado, a da Moderna pode ser conservada dentro de um frigorífico normal.
O que vem a seguir?
A Moderna e a BioNTech também estão a aplicar a tecnologia do mRNA a terapias experimentais contra o cancro.
A BioNTech está a testar uma solução que emprega mRNA no tratamento do melanoma (cancro de pele) em conjunto coma Roche.
Já a Moderna está a desenvolver tratamentos para o cancro dos ovários e a Isquemia do Miocárdio que já estão na segunda fase de testes.
Nenhuma das terapias contra o cancro chegaram ainda à terceira fase de testes, e Katalin Kariko diz que curar esta doença é um desafio muito maior. Porque, enquanto um vírus é uma entidade que invade o corpo, as células cancerígenas fazem parte do corpo, o que as torna mais difíceis de serem detectadas e atacadas.