Nunca me senti “preso” no ecossistema Apple. Dissesse eu isto alto e bom som em qualquer tertúlia de amigos ou conhecidos e tínhamos pano para mangas de conversa. Mesmo entre utilizadores Apple de longa data, há sempre aquele momento de introspecção: ‘Será que estou preso numa gaiola dourada?’.
O ecossistema Apple foi sempre alvo de críticas por ser fechado e proprietário. iPhones que só funcionam com acessórios certificados, MacBooks com peças não substituíveis, e serviços que funcionam melhor entre dispositivos da mesma marca. É inegável que existe uma estratégia bem definida para manter os utilizadores dentro da “bolha Apple”, que não será completamente má…
No entanto, o panorama tem mudado dramaticamente nos últimos anos. A concorrência evoluiu de forma impressionante, apresentando alternativas que, não só competem directamente com a Apple, mas em muitos casos, a ultrapassam.
Estava aqui a olhar para as especificações do Google Pixel 9a e a comparar com o iPhone 16e, modelos que, supostamente, concorrerão entre si dentro de poucos dias, e as ultrapassagens do Pixel são deveras impressionantes (em algumas facetas são autênticos atropelamentos). ‘Ah e tal, mas aquilo é Android’, dirão aqueles para quem esta frase impede automaticamente a continuação da discussão. Certo, até eu, crente de linha dura, sou tentado a concordar, mas…
A concorrência de hardware transformou completamente as suas linhas e desempenhos, oferecendo dispositivos com facetas técnicas que a Apple ainda não conseguiu igualar. Em muitas matérias, os iPhone ainda ficam significativamente atrás. Os serviços também evoluíram – Google Drive, Dropbox e Microsoft OneDrive oferecem alternativas robustas ao iCloud; serviços de streaming como Spotify e YouTube Music apresentam bibliotecas tão ou mais extensas que a Apple Music.
E, talvez o mais importante, a meu ver: a interoperabilidade. A União Europeia, através do Digital Markets Act, forçou a Apple a abrir o seu ecossistema a lojas de aplicações alternativas, o iMessage a comunicar com outros serviços de mensagens e o Apple Pay a cruzar-se com outros serviços de pagamento. Olho para trás e percebo que a “gaiola dourada” tem hoje muito mais portas abertas que no passado. Continuo a usar produtos Apple não por estar preso, mas porque ainda valorizo a integração que oferecem. No entanto, é reconfortante saber que, se um dia quiser sair, a transição será muito mais suave que há alguns anos.
A liberdade de escolha é, afinal, o elemento crucial deste labirinto de consumo. E, neste aspecto, o mercado tecnológico está cada vez mais equilibrado, com os construtores a serem forçados a competir em campos onde antes reinavam sem contestação. A gaiola, ainda que dourada e brilhante, já não tem fechos tão complicados.