Bem-vindos à não-realidade, onde o que acontece na verdadeira realidade é reproduzido tal e qual como o veriam, se não estivessem agarrados ao vosso dispositivo de condicionamento pessoal (vulgo, telemóvel), e o que não existe passa a ter identidade, agência, influência e também algum amor para dar.
Perderam as auroras boreais? Não há problema, vejam estas fotos espectaculares geradas artificialmente, tão boas ou melhores que as milhares que foram mesmo tiradas por quem as viu. O vosso candidato favorito é demasiado inepto para ser uma pessoa normal com empatia? Aqui está o momento inexistente em que ele está a salvar um animal de estimação de um desastre natural, com água até aos joelhos.
Até o “César” Zuckerberg já percebeu que a realidade virtual já era. O que está a dar é a realidade artificial: «Não viste IRL? Vê com IA!». Estas recriações podem ter a mesma utilidade narrativa que as dramatizações das séries de reality crime, mas estão a ser usadas como uma narrativa de mérito próprio. Isto não seria um problema se fossemos todos criaturas com capacidade crítica e discernimento. Neste momento estamos muito perto de ser Replicants com fotos de memórias falsas.
Como qualquer nova tecnologia, estamos a testar os seus limites, como faz Alicia Framis, uma artista multidisciplinar que se vai casar com um holograma que tem uma personalidade gerada por IA, para explorar o que são as relações e a solidão nas sociedades modernas. É uma experiência tão válida como as fotos do início.
Onde fica a realidade real? O músico Kenny Wayne Shepherd disse, sobre a IA: «Seremos condicionados até a aceitarmos». Ele sabe que o importante é o processo, a génese, o momento, mas também percebe que nos habituamos a tudo, se formos expostos a isso. Estamos cada vez mais perto de uma encruzilhada. Em que mundo queremos viver? O fenomenológico, o natural ou todas as multiversões que podemos criar? Melhor: onde querem estar? No aqui e agora ou numa narrativa artificial?
Não é preciso responder.