Quando escrevo este artigo, está no topo da actualidade noticiosa tecnológica um golpe desferido numa organização terrorista libanesa perpetrado pelo uso de tecnologia completamente vintage. Não nego o fascínio que tenho por planos audaciosos, imaginativos e, sobretudo, de longo planeamento, onde a contenção de informação é, em caso de sucesso, absolutamente crucial para levar a cabo o objectivo proposto.
Do ponto de vista de arquitectura de uma acção destas, há detalhes que deverão constar dos livros de História daqui a muitos anos, com pormenores que agora lamento não poder conhecer.
Portanto, e resumindo muito rapidamente para quem não tenha tido conhecimento, um país conseguiu interceptar uma encomenda de pagers por parte do Hezbollah , armadilhá-los e esperar que os mesmos entrassem a uso por parte da organização. As armadilhas, presumivelmente um composto explosivo integrante da própria bateria dos pagers, foram activadas remotamente com o envio de uma comunicação para o aparelho, cuja bateria sobreaqueceu propositadamente depois de receber uma activação, explodindo e ferindo (ou matando) o alvo – aparentemente, as agências noticiosas falam em três mil feridos (e nove mortos). Vinte e quatro horas depois deste incidente, uma nova onda de explosões atingiu membros da organização, mas desta vez com origem em aparelhos de rádio-comunicação (walkie takies). Isto parece ter saído dois livros de John Le Carré – só que não. O uso de uma tecnologia tão vetusta quanto a do pager mostra bem o tipo de desconforto que, em casos extremos, se pode sentir em relação a itens que tomamos como banais.
Está, hoje, bem documentado, o uso de mensageiros pessoais entre diferentes níveis de organizações criminosas e terroristas, mas, para conseguir comunicar com distâncias de milhares de metros, algumas cedências têm de ser feitas, o que foi explorado pelos serviços de informação de forma profunda e, porque não dizê-lo, bastante eficaz. Mas a operação, em si, não se resume a sangue e morte, e é um dos pontos que mais me interessa nela mesma. A confiança na pirâmide logística será completamente minada; deixa de haver certezas e confiança nas fontes de fornecimento e de informação. Nada, nem ninguém, está a salvo da “contaminação” de um produto, mas vê-la ser feita em larga escala, provoca-me imensas questões, enquanto ser pensante. E não é apenas por ter uma encomenda atrasada na Amazon, é por ser possível transportarmos armas letais activadas por quem sabe quem, quem sabe onde, quem sabe como…