Desceu um espírito nefasto no utilizador comum, vindo da filosofia empreendedora do mundo do silício. Uma atitude de conseguir ou fingir até acontecer, de sorrir até estalar os dentes, na ilusão de parecer mais que se é através do que se ostenta. Onde fica a fronteira entre iniciativa e vigarice?
‘Hustle’ é um termo com significados interessantes na língua portuguesa. Tem um significado positivo de actividade, movimento, de fazer mexer. Mas isto não é suficiente nos ambientes competitivos e hostis onde os hustlers se mexem, onde há sempre urgência. Como os ritmos do mundo não acompanham os do hustler, ele trata de os apressar, à conta de forçar, empurrar, acotovelar – tudo significados alternativos para esta palavra. Rapidamente, entramos em designações mais agressivas: hustle é encontrão, aperto, atropelo. Viram como fomos de bom a agressivo, em meia dúzia de palavras? Sentem o poder do lado negro da Força?
O ‘scam’ é a evolução lógica do ‘hustle’, com uma gradação linguística igualmente interessante: começa como truque, passa a esquema. Colectivamente, vira tramóia ou cambalacho. Manifesta-se em golpe, culmina em burla e fraude. A indústria dedicada a intrujar o próximo tem o valor global de 1,4 trilhões anuais. Para referência, um trilião é um milhão de biliões: 1 000 000 000 000 000 000. Este valor não inclui crypto, estratégias empresariais das Big Tech, fundos de investimento e planos eleitorais.
Sempre houve vigaristas profissionais, mas vejo muito hustling a virar scamming: em pessoas normais a vender o potencial de uma mão cheia de nada, em anúncios de YouTube, no LinkedIn, em podcasts dos neo-gurus digitais. Compreendo a frustração de ver toda a gente nas redes sociais a viver melhor, a ser mais feliz, a ser mais próspera que nós. Às vezes, é apenas cansaço de tentar espremer sucesso de um calhau. Outras, ganância pura. A fronteira entre o scam e o hustle está no preço. Não das coisas, mas no valor que damos ao próximo, e a nós mesmos também. Qual é o vosso?