Mais que uma consola, um “ninho” de software livre

O SteamDeck, embora não seja um pioneiro das consolas portáteis, ou mesmo como consola-PC, conseguiu reunir o melhor dos dois mundos.

Por: Pedro Gaspar
Tempo de leitura: 5 min

Tradicionalmente, as consolas são PC especializados, cujas funções foram deliberadamente limitadas pelo software restrito, imposto pelos seus fabricantes. Embora as comunidades arranjem formas de contornar algumas dessas limitações, introduzindo mods em cima do software proprietário (faz parte da diversão), os fabricantes são avessos às alterações não-oficiais e estamos sempre a uma actualização de perder as nossos mods. Tony Chen, software engineer e security architect na Microsoft, já reconheceu esta dinâmica e sugeriu que o hardware da Xbox é desenvolvido tendo em consideração que o utilizador irá tentar atacá-lo.

Em contraste, a Valve adoptou uma abordagem radicalmente diferente com o SteamDeck: este dispositivo, não só encoraja a liberdade de software, mas também cultiva uma relação de colaboração com a sua base de utilizadores. Ao invés de tratar os entusiastas de mods como adversários, o SteamDeck encoraja-os. A abertura do sistema para modificações, tanto de software, como de hardware, resultou num florescimento de comunidades dedicadas, marcando uma nova era de interacção entre fabricantes de consolas e seus utilizadores.

Sistema operativo
O SteamDeck vem equipado com o SteamOS, uma versão do Linux baseada em Arch, com dois modos principais de uso: ‘Gaming’ e ‘Desktop’. Ao iniciar, o dispositivo entra no automaticamente no modo ‘Gaming’, uma interface optimizada para jogos, projectada para navegar de forma fácil com os comandos da consola. Aqui, os utilizadores têm acesso imediato à sua biblioteca de jogos, sejam eles adquiridos no Steam ou não.

Já o modo ‘Desktop’ revela um ambiente KDE Plasma, oferecendo a liberdade de usar o SteamDeck como um computador tradicional. Embora os comandos integrados não sejam ideais para navegação neste modo, ligar o dispositivo a uma dock permite a utilização de um teclado e de rato, transformando-o num PC completo. Há diversos relatos online de pessoas que encontraram no SteamDeck um “salvador”, quando os seus computadores principais apresentaram problemas, utilizando-o efectivamente como ferramenta de trabalho.

Proton
Após enfrentar desafios para persuadir programadores de jogos a lançarem os seus títulos para Linux, resultando no insucesso da sua primeira consola, a Valve empenhou-se em resolver este impasse. A solução veio com o Proton, uma camada de compatibilidade destinada a executar jogos Windows em Linux. Criado a partir do Wine, o Proton foi desenvolvido em parceria com a CodeWeavers: juntos, implementaram melhorias significativas, especialmente na optimização da aceleração gráfica. O resultado? Hoje, a vasta maioria dos jogos criados exclusivamente para Windows não só correm em Linux através do Proton, mas muitos apresentam desempenho superior nesta plataforma.

Mods
Como dissemos, a Valve não só tolera modificações ao SteamDeck por parte dos utilizadores, também as incentiva. Uma demonstração clara desta postura é a disponibilização dos modelos 3D da consola para a comunidade. Isso não só facilita que empresas criem acessórios perfeitamente ajustados, mas também desafia entusiastas da impressão 3D a fabricarem as suas próprias capas personalizadas. Além disso, um dos mods mais populares envolve a substituição do SSD por um de maior capacidade, permitindo que a SteamDeck hospede uma vasta biblioteca de jogos. O ecossistema de software para a consola, maioritariamente de código aberto, também está em pleno desenvolvimento. Aplicações como o Decky Loader, que aprimora a interface do SteamDeck, e o EmuDeck, verdadeiro canivete-suíço para retrogaming, são apenas alguns exemplos dos recursos mais usados pelos proprietários do SteamDeck.

Conclusão
Podemos dizer que existe, sem dúvida, um ‘antes’ e um ‘depois’ da SteamDeck para a comunidade de gaming em Linux. Graças à estratégia de tratar o utilizador como “dono”, ao invés de apenas como “arrendatário”, esta consola tem tido muita popularidade. Em vez de a Valve andar atrás dos produtores de jogos para que criem jogos para Linux, são os próprios que têm interesse em disponibilizá-los nesta plataforma o mais cedo possível. O SteamDeck expandiu as fronteiras do gaming em Linux e também redefiniu as expectativas de programadores e utilizadores em relação ao que uma consola pode ser. Como complemento a este artigo, a ANSOL conversou com Pedro Mateus do Linux Game Cast, um podcast sobre gaming em Linux. Nesta conversa, pode conhecer em pormenor a história da SteamDeck e o percurso do Pedro no gaming em Linux. Para ouvir pode procurar por ‘Pedro Mateus SteamDeck’ no viste.pt.

Exit mobile version