O poder de recriar o que vemos na nossa mente estava apenas ao alcance de artistas bem treinados. Com a AI, esse poder promete democratizar-se. Basta pagar um plano premium e saber usar prompts. Mas será que esta tecnologia tão impactante na percepção da realidade percebe como o mundo real funciona?
A Open AI apresentou Sora, a sua ferramenta de criação de vídeo a partir de texto, como um modelo com um «profundo conhecimento da linguagem», o que lhe permite «interpretar com precisão as instruções e gerar personagens atraentes que expressam emoções vibrantes».
Personagens atraentes e emoções vibrantes. A tecnologia em modo revista cor-de-rosa e espírito reality show. Nem aqui escondem que o objectivo final é agarrar-nos todos ao ecrã com dopamina gerada por conteúdos. E estão a começar bem, com a discussão toda em volta do tema: está mais que provado que a dissensão gera mais engagement.
É, como todas tecnologias que parecem magia, uma ferramenta fascinante, apesar de não entender o mecanismo de caminhar, nem distinguir o pé direito do esquerdo, como no caso da mulher-avatar a passear numa Tóquio imaginada. O que a AI vê neste vídeo são dois elementos móveis que surgem abaixo da mancha do vestido sem ter em conta a mecânica dos joelhos, o efeito do impacto dos pés no chão, o cansaço dos dias entranhado no corpo.
É um sintoma que se vai manter durante muito tempo, porque não há capacidade de computação que o resolva. O problema da AI é que trabalha com o mapa e não com o território. Ou seja, baseia-se em representações da realidade e não na realidade em si. Nós, e cada vez mais, também.
A Open AI está a adiar o lançamento da versão pública de forma sensata, até porque estamos em ano crítico de eleições e já sabemos para o que é que o vídeo artificial vai ser usado: mentiras e pornografia, que é sempre o que fazemos com as novas tecnologias de comunicação que nos dão. Não acreditem em tudo o que viram nas paredes de Lascaux.
E, já agora, questionem sempre o que surgir num ecrã.