Imaginem um mundo em que as empresas são tão poderosas que não respondiam a qualquer Estado, nem se sujeitavam a um sistema judicial. Tudo o que faziam era pelo lucro, sem respeito pelas regras ou pelas pessoas. Esperem, não é preciso imaginar. Os gigantes digitais já são os senhores disto tudo.
Em Robocop, a cidade de Detroit era governada pela OCP, uma corporação que tinha o controle dos serviços públicos. Os cidadãos não eram eleitores, mas accionistas. A polícia estava privatizada e, para justificar o investimento em polícias-robôs, a OCP incentivava actividades criminosas, a velha tática do ‘inventámos uma solução para um problema que não existe, por isso, vamos inventar o problema’.
É um sonho neoliberal molhado. Mas um pesadelo social. A OCP era impune e não havia um Governo para controlar essa corporação sem cara, cujas ações respondiam aos resultados trimestrais e aos ganhos dos accionistas. O custo era a segurança dos cidadãos.
Se acham isto rebuscado e utopicamente negro, lamento dizer que estamos cada vez mais perto de virar uma Detroit global. Exemplos: a Google (novo lema: ‘Be Evil’) recusa-se a negociar com sindicatos, o que é ilegal, segundo o regulador laboral que, para a Space X, é inconstitucional. O rei nu da liberdade de expressão suspendeu jornalistas que o criticavam no circo que comprou e está a ver arder. As empresas que desenvolvem IA ignoraram uma coisa chamada copyright e agora já está: o que vamos fazer em relação a isso?
Multas? Na primeira semana de 2024 fizeram dinheiro suficiente para pagar todas as multas de 2023. As Big Tech dominam a informação, hábitos e vontades de 5,3 mil milhões de cidadãos digitais em todo o mundo (4,95 mil milhões são utilizadores de redes sociais). São maiores que qualquer país. Eles é que fazem as regras.
A razão de haver instituições que servem a república é a defesa e melhoria de vida dos cidadãos, para criar sociedades mais prósperas e seguras. A razão das empresas é o lucro.
E não há Robocop que nos salve.