Há uma aplicação chamada Strava e um general russo que a utilizava para registar os seus treinos. Já não há. O general, isto é, a app continua na App Store. O general acabou baleado e morto, não se sabendo, como em muitas outras situações desta guerra, se foram ucranianos ou os próprios russos a assassiná-lo. Facto, parece ser, é que terão sido os percursos das corridas do general partilhados na aplicação que permitiram que o atirador esperasse por ele no local com dia e hora marcados.
É também facto que esta será a mais tecnológica das guerras. A intercepção das comunicações pessoais, para localização de tropas inimigas; a utilização de drones de uso recreativo convertidos, para utilização em cenário de guerra; e o uso de aplicações como o Telegram ou o Signal, para difusão de informação e contrainformação mais ou menos passível de desencriptação têm, diz-se, ajudado a que o David se tenha vindo a defender do Golias. Isto, é claro, é um ‘não só, mas também’. Ajuda ter os satélites da SpaceX a enviar informação em tempo real sobre a localização das tropas inimigas ou todo o arsenal tecnológico dos aliados do seu lado. Façamos votos para que seja suficiente.
Já não será certamente suficiente para recuperar gerações perdidas dos dois lados da barricada, mas foi lançada no passado mês de abril a aplicação Reunite Ukraine, com o objectivo de ajudar a encontrar crianças ucranianas que desapareceram durante os já mais de quinhentos dias de guerra. A app tinha sido desenvolvida pela Find my Parent, uma organização norte-americana de pais de crianças alvo de rapto; terá sido adaptada ao cenário da guerra ucraniana e, com a colaboração da polícia nacional, contribuir para a reunião de famílias separadas pela guerra. A app permite que se insiram os dados de quem procura e quem procura. O algoritmo da app recorre a AI para fazer o match entre os dois lados, sendo que os registos são monitorizados pela polícia, para a validar a sua autenticidade e permitir a comunicação pela aplicação.
As duas aplicações, a Reunite Ukraine e a Strava, serão casos paradigmáticos de como o uso da tecnologia nos nossos telemóveis pode servir Deus e o Diabo. E como se sabe que o Diabo está nos pormenores, o general não ‘strava’ certamente no seu melhor juízo.
P.S. Já depois de enviado este texto, surgiu, de França, a notícia da aprovação de um projeto de lei de reforma da justiça que permite às autoridades acederem remotamente a câmaras, microfones e serviços de localização de telemóveis de suspeitos e outros dispositivos ligados à Internet. Será o Ministério da Verdade?