Haverá forma de alguém nascido nos anos setenta aceitar que a socialização é, para as mais recentes gerações, fundamentalmente vivida nas redes sociais, nos jogos online e, esporadicamente nos festivais de Verão? Este mês, li um artigo de opinião do jornal Expresso que comparava a adição às redes sociais à metadona e como estão a destruir a saúde mental dos jovens.
Sempre tive uma visão idílica da realidade aumentada que, obviamente, se veio a provar errada: materializava-se num par de óculos muito parecidos aos que usamos para suprir as dioptrias e, numa rua, surgir-me-iam promoções e descontos nas lojas com produtos da minha preferência e sugestões de onde comer o taco de salmão que adoro ou beber um pisco, num fim-de-tarde, com amigos. Mas não. Tanto a Meta com o Quest 3 ou Pro, como a Apple com o Vision Pro, colocam os utilizadores em posição de uma maior alienação em relação ao mundo lá fora.
Não chegava ver grupos de adolescentes no recreio da escola, cada um a olhar para o ecrã do seu smartphone: agora, vamo-nos colocar na sala ou no escritório embrenhados e alheados em realidade aumentada/virtual (RA/RV), ao que se pode ainda juntar uma pitada de metaverso, para adocicar a realidade paralela. Até é provável que ainda se lucre com mais um sistema operativo para onde tenhamos de desenvolver aplicações, mas não deixa de ser estranho que uma das imagens do vídeo do Vision Pro da Apple fosse um pai a gravar a filha a soprar as velas num bolo de aniversário. Estranho, aqui, não o ponto de vista de quem está com os óculos, mas quem o olha de fora. Estará ali? A filmar em 3D para mais tarde, vividamente, recordar o momento; ou noutra dimensão que não a daquele momento?
Talvez seja este o ‘para mais tarde recordar’ que a Kodak imortalizou e que ainda me custa a deglutir. É certo que, como o nome indica, o Vision é Pro destina-se, nesta primeira iteração, a um mercado mais profissional. Com um preço de 3500 dólares, não será, certamente, um produto para as massas. Ainda assim, não foi esta a imagem que gravei na minha mente, quando há uns anos a RA/RV teve a sua primeira passagem. Talvez lá para o fim do ano, com o chip do Musk, consiga fazer um update ao meu sistema operativo.