Em 2017, escrevi aqui que a Internet estava quase morta. Agora, finalmente, podemos dizer que morreu. O ecossistema em que eu e tantos outros cresceram já não existe. É um espaço novo, com outras regras e propósitos. Tudo evolui mas, neste caso, não foi para melhor. Este é o obituário de uma utopia.
Numa conversa ao balcão de café (que é uma espécie de Twitter, mas no mundo real), o empregado licenciado em História disse-me que a estagnação intelectual e tecnológica da Idade Média foi consequência do incêndio da Biblioteca de Alexandria, que nos privou do conhecimento lá guardado. Não resistimos a fazer comparações com a nossa própria realidade.
Em vez de ser fonte de conhecimento, a Torre de Babel digital arde na gasolina da desinformação, nas suas diversas formas: fake news, propaganda, métodos para enriquecer rápido. O entretenimento é vazio e pueril. O anonimato virou ultra-vigilância. Os espaços comunitários que nos uniam, agora segmentam para dividir e conquistar. Onde manifestávamos individualidade, agora somos todos iguais, presos a um jogo impossível de comparação e aparências.
Menos arte e muito conteúdo do mau. Há demasiado de tudo, logo, nada tem valor. É uma pilhagem emocional e intelectual que nos reduz à violência, apatia, depressão e alienação. A Web tornou-se um parque temático caro, de onde não nos querem deixar sair.
Só que a vida continua e a nostalgia é inútil, ao contrário do que andam a vender em stream. Segundo a dialética marxista, estamos na fase da Antítese: Hipótese (ARPANET) – Desenvolvimento (Tim Berners-Lee e a WWW) – Tese (os últimos trinta anos) – Antítese (de 2023 em diante) – Dialética (?) = Síntese (uma dúvida ainda maior).
Esta iteração da Web, como ágora livre, acabou. De utopia a distopia, a realidade é muito pragmática: o que vier depois só depende de nós. Todos – utilizadores, governos, empresas – temos de perceber que este é um animal diferente, bem mais feroz.
Visto dali do balcão do café, não parece que estejamos preparados para ele.