Em 2016 terá havido muito boas alminhas que viram na palavra ‘trampa’ a melhor forma de descrever ‘o país da liberdade e dos corajosos’. Em bom português, talvez fosse mesmo melhor uma tradução mais literal do poema Star-Spangled Banner como o país dos “bravos”. As idiossincrasias são tantas e tão profundas que, por vezes, se torna difícil perceber que país(es) é(são) aquele(s).
«I have a dream» afirmou Dr. King. Parece que Musk também. Só que Musk, sendo Musk, tem vários. E, se alguns se revelaram extraordinariamente bem-sucedidos e disruptivos como a Tesla e a Space X, a compra do Twitter sempre pareceu ter tudo para dar errado. Escrever que ‘entrou com o pé esquerdo’ no Twitter é claramente um eufemismo.
Acredito firmemente que a neurodiversidade estimula a riqueza da raça humana. No entanto, parece-me que ao assumido síndrome de Asperger, e respectivas características, Musk junta, na sua personalidade, um conjunto de atitudes psicossociais e de comportamentos que, por definição psiquiátrica, podem parecer (ser?) paranóicos. O egocentrismo, desconfiança e a falta de flexibilidade fazem com que tenha tendência para interpretar erradamente factos, provocar conflitos sociais, profissionais e a ter comportamentos de algum fanatismo.
A alguém que, como Musk, já controla um sistema que pode interferir com o trânsito, com satélites e uma das mais credibilizadas redes sociais, ouvir dizer em público que almeja criar uma super-app, soa-me assustador. Uma super-app é, por exemplo, a WeChat na China. Uma espécie de ‘app Frankenstein’ que, nos EUA poderia juntar funcionalidades de uma Amazon, Uber, Instagram, WhatsApp e PayPal numa só.
Há uns meses, escrevi como uma super-app – a Kakaotalk – parou a Coreia do Sul e foi considerada pelo presidente do país como uma ‘infra-estrutura nacional’, à qual deveriam ser impostas medidas de forma a proteger a população.
Musk não é o único em Silicon Valley a sonhar com uma app destas e não acredito que uma delas tivesse a aceitação nos EUA e na Europa, que teve noutros continentes. Para que tenha uma ideia a percentagem de pagamentos móveis nos EUA ainda é bastante inferior à nossa. Também não creio que a ideia inicial da compra do Twitter tenha sido essa, mas, se foi, cheira-me a trampa.