A nossa bolinha azul no canto do universo, cheia de tendências autodestrutivas, não sabe a quantas anda e não há tractor ucraniano que nos valha. Não queria falar disto, mas tem de ser.
Os telejornais andaram a explorar a pornografia do bélico, arte em que se especializaram desde a Guerra do Golfo – Parte 1. Mas o poder de choque da imagem televisiva perdeu-se, diluído por filmes fantásticos de estética hiper-realista. Após a sua experiência-catástrofe, as vítimas dizem frequentemente aos microfones das televisões que “parecia um filme”.
A transposição do real para um plano ficcional agrava-se online. A narrativa é fragmentada em títulos de artigos que não são lidos, mas prontamente comentados, em criações artísticas e humorísticas que ganham estatuto de jornalismo e comentário paralelos aos meios tradicionais (i.e. ultrapassados). Cenários virtuais de jogos onde a destruição é diversão são publicados e partilhados como reais, sabe-se lá com que agenda. As fake news são o novo marketing de guerrilha.
Mas a guerra não é um jogo em livestream no Twitch: afecta ossos, tecidos moles, relações, sonhos, futuros. Estilhaça-os. Não é um espirrar de sangue digital seguido de um respawn.
Felizmente, há memes, a unidade básica de informação online que nos ajuda a passar o tempo e a ultrapassar os horrores do dia-a-dia. Têm tanto peso que, em breve, ministérios da Defesa do mundo inteiro irão investir em tractores em vez de submarinos. “GTA Kiev, LOL”.
Entretanto, tropas no terreno usam tecnologia de reconhecimento facial nos cadáveres dos soldados inimigos para notificar as famílias da morte dos seus filhos, pais e irmãos, via redes sociais. “Headshot!”.
A guerra moderna é fascinante, não é? Mas duvido que a família de refugiados que agora vive por cima de mim lhe ache grande piada. Para eles, este filme não é um jogo. É a vida que têm agora. É a vida que deixaram de ter.