Há poucos dias, dei por mim a rever anúncios da CES 2022 e passou-me pelos olhos um vídeo de uma corrida de carros autónomos realizada na Las Vegas Motor Speed Way. Estamos a falar dos clássicos formatos desportivos que conhecemos desde sempre, mas em configuração eléctrica e completamente autónoma.
Tive ali um momento de revelação. Uma epifania, na verdade. E não foi das boas. Na verdade, ver uma corrida de carros autónomos, mesmo a duzentos quilómetros por hora, é quase tão interessante como se me sentasse em frente ao óculo da minha máquina de lavar roupa durante um ciclo de centrifugação. As inserções em curva, a desaceleração perante um obstáculo, os desvios suaves (tão suaves quanto a elevada velocidade o permite), são tão previsíveis e monótonas quanto a ultrapassagem de um par de meias azuis a uma camisa branca…
Sabemos que estamos perante uma inevitabilidade futura, a de automóveis treinados para evitar o erro, em cujo cérebro não há espaço para a imprevisibilidade. Se isto nas estradas é perfeitamente aceitável e agradável, no desporto pode não vir a ser assim. A falta de uma componente humana, a ousadia na decisão (que concedo também poder ser prevista pela IA), retiram-lhe o espírito humano de sofrimento. E nas bancadas? E em frente a ecrãs? Vamos passar a torcer por chips e construtores? Porcas e parafusos? Os grandes negócios do desporto passam a ser a contratação de engenheiros? Isto é fascinante, embora eu tenha consciência de que já não assistirei, senão aos primeiros alvores desta madrugada.
E se pensarmos noutras possibilidades, que não apenas o desporto automóvel, ainda mais intrincado se torna o argumento. Onde fica a componente humana num jogo de futebol disputado por robots onde a componente ‘erro’ praticamente não existirá? Não vamos precisar de árbitros, vai ser tudo muito asséptico e certinho. Quem é que insultamos e culpamos pela falha do craque ZBR9000 que custou ao nosso clube uma enorme pipa de Bitcoins? E, se a componente erro vai tendencialmente desaparecer, os jogos vão ter vencedores ou ser um mar de empates?
A robotização e automação do desporto estender-se-á a muitas modalidades, num modelo que pode muito bem ser misto (humanos e robots numa equipa em campo) ou completamente entregue às tecnologias. Todas as modalidades terão por detrás um branding industrial intenso. Todas? É possível. Mesmo o curling pode vir a ser dominado pela iRobot e uma equipa de Roombas.