A Universidade do Minho e a Bosch já colaboram há vários anos em projectos de condução autónoma e todos os anos “aceleram” mais um pouco para tentar chegar ao nível 5 – aquele em que o se humano deixa de tomar decisões, dentro de um automóvel.
Eliseu Vieira, coordenador do projecto Easy Ride, que junta as duas entidades nesta “corrida”, falou com a PCGuia sobre o futuro dos automóveis: o responsável não tem dúvidas de que quem gosta mesmo de conduzir vai ter de ir para um autódromo sentir a adrenalina de estar ao volante.
O projecto Easy Ride tem um investimento total de quase trinta milhões de euros e está a usar várias tecnologias para criar um automóvel inteligente que vai decidir tudo o que acontece na estrada e a bordo: desde uma travagem a considerar violentas as atitudes de um passageiro.
Para já, Eliseu Vieira não se sente muito à vontade com uma realidade de andar num automóvel que acaba por ser um robot com rodas, mas confia nas tecnologias que estão a ser desenvolvidas pela Bosch e pela Universidade do Minho.
Provavelmente, a primeira pergunta é a de resposta mais complicada. Muitos dos projectos EasyRide ainda estão em fase laboratorial: quando é que podemos ter uma realidade em que o nível 5 da condução autónoma será o standard?
Isto são pequenas peças que fazem parte do puzzle que é o nível 5. Acho que a tecnologia já existe, mas há tópicos que têm de ser ajustados, porque é preciso garantir que todo o sistema de segurança e infra-estrutura funciona bem, para conseguirmos dar esse passo.
E a legislação? Acha que acompanha os desenvolvimentos tecnológicos?
Acompanha. Este é um tema que já está a ser discutido há alguns anos e, em 2005/2006, já se falava um pouco de algumas destas novidades que vão aparecendo agora e a legislação já abordava esta nova realidade que hoje temos. Mas, actualmente, para o nível 5, a legislação é inexistente. Em Portugal há algumas regras que não permitem que a tecnologia seja aplicada.
Acha que alguma vez o humano vai sair da equação do automóvel?
Pessoalmente, não creio. Não consigo ver um automóvel a ser totalmente conduzido por um computador.
Mas confia 100% num automóvel autónomo?
É um dilema com que temos de lidar. Da minha parte, abordo esta questão mais numa perspectiva tecnológica: eu conheço a tecnologia e o que está por trás. Acredito que vai ser mais a questão de eu transferir para a máquina todas as tomadas de decisão que, habitualmente, estão ligadas ao ser humano. É aqui que ainda não me sinto à vontade, provavelmente não pela tecnologia, mas porque gosto de estar no comando. Há uns dias falava com uma pessoa que tinha automóveis com vinte e trinta anos, que não se via a entrar num veículo autónomo…
E acha que essa mentalidade vai ser difícil de mudar? As novas gerações estão mais despertas para a realidade dos automóveis autónomos?
Sim, estão, vêem isto com outros olhos. Conheço pais cujos filhos não têm interesse em tirar a carta. Aquele gosto que nós temos em conduzir vai ser transferido de forma diferente para os nossos filhos e netos: já não é tão importante conduzir um automóvel, mas sim usufruir do tempo em que estão num automóvel
No futuro, a experiência de conduzir vai ficar reservada para um autódromo, por exemplo?
Sim, pode acontecer. Se quiseres experimentar um motor a gasolina ou pôr à prova a tua perícia como automobilista, terás de ir para um autódromo, até porque, depois, toda a infra-estrutura não vai conseguir comunicar com o teu automóvel “antigo”. No futuro, a experiência de conduzir vai ser totalmente diferente.
As universidades também vão ter um papel importante no desenvolvimento de tecnologia. Temos o caso da Universidade do Minho com a Bosch, mas conhece outros a nível nacional?
A Universidade do Minho e a Bosch conseguiram criar um ecossistema em que os projectos passam mesmo da teoria à prática. Há parcerias que vão além da inovação: mais de quarenta alunos fizeram o doutoramento na Bosch, com projectos da empresa. Mas há mais universidades envolvidas neste tema, como a Universidade do Porto e o Instituto de Telecomunicações de Aveiro. Isto está a multiplicar-se.
Acho que este ecossistema é único no Mundo. Oiço pessoas da Bosch na Alemanha a falar de experiências semelhantes, mas aqui conseguiu-se algo completamente novo, devido a esta interacção muito próxima entre a Universidade do Minho e a Bosch, entre a academia e a indústria, em que a fronteira começa a ser ténue: às vezes é difícil perceber se alguém ainda é aluno da universidade ou já trabalha na Bosch.
A próxima grande inovação de condução autónoma já existe ou ainda está por inventar?
Nós olhamos para a Tesla, olhamos para os sistemas que estamos a desenvolver e percebemos que há vários caminhos que podemos seguir. Não posso fazer uma previsão do que vai acontecer daqui a cinco anos, mesmo dois ou três, mas há espaço para aparecerem novas tecnologias. Por exemplo, o LIDAR, que faz parte dos projectos da Bosch, já não está a ser usado pela Tesla, que recorre a câmaras para mapear as estradas e ruas em 3D.
No futuro, pode acontecer que haja a conjugação de vários sensores para conseguirmos ter algo ainda mais inovador. Estou convencido de que vai haver muita inovação neste campo e sistemas muito mais simples a aparecer nos próximos anos. Não está tudo inventado.
Já que falou na Tesla, é realmente a empresa que está na liderança destas novas tecnologias para automóveis autónomos, ou é muito marketing?
Não creio que seja marketing. De certa forma, a Tesla foi, e está a ser, disruptiva relativamente ao que nós entendemos que é a indústria automóvel. Daimler e Volkswagen, por exemplo, têm processos bastante rígidos para a aprovação e para introduzir novos sistemas nos automóveis, mas a Tesla é muito mais flexível e consegue aplicar a tecnologia de forma mais rápida.
Não é uma empresa “pesada” nesse campo e não tem todo o historial da indústria automóvel. Enquanto as outras marcas só metem um sistema no mercado quando está mais que comprovado, a Tesla, por ser mais rápida, não o faz e depois surgem alguns problemas. Os clientes acabam por ser as “cobaias”. Mas isto não os faz parar.