O meu caro António Quintas (filmspot.pt) escreveu sobre o lançamento de filmes nas TV e pôs-me a pensar: depois de termos reduzido o ecrã de cinema ao tamanho de um tablet e um mundo de séries à distância de uma subscrição, será que matámos a sala de cinema? Ou o fim do confinamento irá mudar tudo?
O mundo digital, desde as suas raízes, foi pensado como uma extensão de nós ou via rápida para a comunicação. Se ainda se lembram da expressão ‘Autoestrada da Informação’, parabéns: estão velhos. E fazem parte do grupo de pessoas que conheceu a Internet como um espaço para onde olhávamos e não de onde éramos vistos.
A realidade virtual é uma ideia permanentemente adiada, e foi reconfigurada em realidade aumentada que, em vez de nos adicionar camadas à nossa visão do mundo, acrescenta filtros e efeitos à nossa imagem. Somos avatares presos em dispositivos e em permanente exposição nas redes sociais. Chupa, Matrix! Embrulha, Orwell!
Isto do cinema ir directo para a TV parece estar longe das questões anteriores mas, a meu ver, estão muito ligadas. Depois de um ano enclausurados à força, muitos de nós queremos ar livre e multidões. Muitos, não todos. Queremos falar com pessoas que estão fora da caixa, sem a mediação de Zooms, ligações instáveis e webcams que nos dão mau ar. Queremos a catarse após um ano de contenção, abraçar o hedonismo e estimular os sentidos até à rotura. Chega de ver filmes e épocas antigas de Friends em casa, vamos é voltar ao escurinho da sala de cinema.
O mundo digital transformou-se numa caixinha que nos aprisionou em vez de abrir mais caminhos para o mundo real. As redes sociais e o entretenimento apostaram nisso ao ponto de quem não tem Facebook e/ou Netflix ser considerado como uma pessoa de índole duvidosa. Com a ordem de soltura colectiva que se aproxima, as indústrias estão já a pensar em estratagemas para nos manter cativos e de olhos fixos nos nossos dispositivos.
Isto é importante porque os valores monetários são de biliões. E o produto somos nós.