Uma das minhas rotinas diárias tem sido apagar mementos e momentos da minha vida digital em todas as plataformas que fazem questão de trazer esses destroços do passado à superfície do quotidiano. A memória costumava ser um mecanismo falível mas, na esfera digital, é difícil esquecer e ser esquecido.
Em 2015, o Facebook criou a função ‘Neste dia’ porque percebeu que nós, humanos, gostamos muito de revisitar o passado e de o partilhar. Faz parte da nossa identidade. Assim, decidiu servir as nossas memórias todos os dias, bem frias pela manhã, sendo seguido por outros serviços, como o Google Photos. Mas nem todas são boas ou dignas de registo. Inadvertidamente, o casual torna-se histórico, o efémero algo de permanente.
«Eu sei quem é aquela pessoa», disse-me uma amiga, «mas não é quem sou agora». Alguém recuperou um post antigo pouco favorável onde estava tagada porque, para eles, foi um momento memorável. Para ela, foi um dia/mês/ano para esquecer e a amizade com essas pessoas acabou há muito. Sem razão, tudo voltou porque há um mecanismo automático de invocar o passado. Como se não bastassem as recordações constrangedoras que nos tiram o sono às duas da manhã e das quais mais ninguém se lembra.
Não é só a auto-memória das redes sociais. As migalhas digitais do nosso percurso que alimentam as gordas companhias, que as apanham atrás de nós de cada vez que nos ligamos a um dispositivo, criam um perfil parcial de quem somos. É por isso que nos enchem a barriga dos browsers com cookies. Os anúncios que nos aparecem, as sugestões de amigos ou conteúdos são todos resultado da nossa actividade, que fica guardada sabe-se lá durante quanto tempo. O resultado é uma espécie de biografia em dados que não retratam quem somos, mas o que nos falta – e há sempre um anúncio perfeito para nós.
No dia em que estava a escrever isto, apareceu-me um post de há seis anos: «Uma das chaves para a felicidade é uma péssima memória». Confesso que não me lembrava de o ter publicado. Obviamente, apaguei-o.