Tendo nas minhas cordas vocais um instrumento de agressão (e criação de um cordão de segurança) a quem se coloque ao meu lado num concerto, e um tom meio afeminado
quando irritado, tenho noção da quantidade de informação que é veiculada pela voz.
A notícia saiu no Expresso em meados de Fevereiro e dava conta da intenção de um grupo de investigadores do Instituto Superior Técnico precisarem de dadores de voz com o objectivo de criar uma app que permita, precisamente através da voz, detectar a COVID-19. Os exemplos de utilização de marcadores biológicos na medicina são vastíssimos e utilizados há dezenas de anos. A pressão arterial, as análises ao sangue ou um raio-x são exemplos de biomarcadores. Ou seja, algo que, sendo mensurável, é passível de ser utilizado como indicador da presença de algo em excesso ou defeito e, assim, revelar a possível existência de uma doença. A voz tem também os seus. Na última década os investigadores têm-se debruçado sobre a potencialidade de identificação de doenças através destes biomarcadores na voz, utilizando inteligência artificial e machine learning.
A tecnologia desenvolvida tem-lhes permitido detectar diferenças subtis na forma como as pessoas com certas condições falam. A utilização de aplicações para diagnosticar doenças como a depressão, ansiedade ou Parkinson é, há alguns, anos feito pela Sonde Health. A empresa israelita Beyond Verbal desenvolveu algoritmos que lhes permitiu a criação de uma app que ajuda a detectar a presença de doença coronária. E a Vocalis Health tem trabalhado com a Mayo Clinic para identificar biomarcadores de hipertensão pulmonar.
A pandemia de 2020 serviu para validarmos o quanto a comunidade científica académica colabora e o quanto a comunidade científica empresarial pode alcançar se cooperar mais. A iniciativa do INESC ID é de louvar, apoiar e participar. A construção frásica da notícia do Expresso é que parece colocar-nos nos píncaros da inovação, quando a Vocalis acima mencionada desenvolve algo semelhante desde meados do ano passado. Talvez também o jornalismo pudesse ser mais cooperante com a ciência. É que se é certo que um dia a Siri ou a Alexa vão dizer-nos que estamos constipados, hoje já nos dizem que certas notícias são apenas mais do mesmo.