Parecem mais, mas 2010 foi só há dez anos Foi o ano do iPhone 4, com câmara frontal. O Facebook tinha só quatro centos milhões de utilizadores e o Instagram apareceu com os seus filtros catitas que faziam o comum dos mortais parecer um fotógrafo profissional. O ano de 2010 foi aquele em que a nossa perspectiva começou a mudar.
Os anos 10 foram a década da selfie (palavra do ano para os dicionários Oxford, em 2013). Se, na anterior, os nossos ecrãs eram janelas para novos mundos, 2010 transformou-os em espelhos. Elsa Godart no seu Je Selfie Donc Je Suis (2016), que é como quem diz ‘eu selfie, logo existo’, afirma que os jovens adultos irão tirar 25 700 selfies ao longo da sua vida. Algumas contas de Instagram acham essa estimativa muito conservadora.
Ao virarmos o olhar da tecnologia sobre nós, estamos a satisfazer necessidades fundamentais: assinalar a nossa existência, ter consciência de nós, criar a nossa persona pública. Somos humanos, somos inseguros, somos vaidosos. Nada de novo. Os auto-retratos de pintores de outras eras não são muito diferentes do que vemos nas nossas timelines. Só demoravam mais tempo a publicar porque tinham que criar os próprios filtros. E o resto da selfie.
Esta atitude social e filosófica também se vê nos tops de livros, em que a auto-ajuda domina e a narrativa literária confessional é mais popular que as vidas imaginadas de personagens de ficção. Os 10 foram a década do ego mas, como Narciso, iremos descobrir que há uma profundeza para além da nossa imagem à superfície das águas.
Na era pós-selfie, onde toda a nossa existência é registada até ao mais ínfimo dado, o reflexo irá valer menos do que a pegada. Teremos que saber olhar por cima do ombro para ver quem nos segue.