A polémica estalou em Maio de 2019, quando o jogador profissional de póquer português André Coimbra partilhou um extenso artigo de opinião no seu blogue pessoal. A conclusão? É preciso acabar com o uso de HUDs no póquer online de forma a melhorar o ecossistema do jogo em Portugal. André Coimbra não é o único profissional da modalidade que defende esta medida. A sua própria opinião foi influenciada por um tweet partilhado pelo conceituado jogador brasileiro André Akkari, que declarou que o póquer devia ser tratado como um jogo de habilidade, no qual o uso de HUDs não devia ser permitido.
Mas afinal, o que são HUDs, e por que podem estes ameaçar seriamente as carreiras dos jogadores profissionais de póquer online?
HUDs (Heads-Up Display)
HUDs, ou Heads-Up Display, são tecnologias associadas ao póquer que podem ser usadas pelos jogadores em tempo real e que fornecem várias dicas, estatísticas, e informações úteis que contribuem para que estes tomem decisões mais informadas. Os HUDs são uma consequência natural de outro tipo de extensão aplicada ao póquer – os trackers digitais. Estes são programas que guardam as sessões dos jogadores e permitem de seguida uma análise detalhada das suas mãos, opções, e resultados. Os trackers funcionam como os vídeos e estatísticas de futebol: depois de um jogo, os profissionais têm a oportunidade de rever aquilo que fizeram, extrair conclusões a partir dos dados recolhidos, e aprender acerca do que precisam de fazer para melhorar o seu rendimento.
Os HUDs, no entanto, introduziram nas mesas online de póquer uma vantagem em tempo real, que deste modo acaba por influenciar directamente o resultado de uma partida de póquer. Os dados e ajudas fornecidos pelos HUDs podem mesmo guiar por completo as opções tomadas por profissionais, e limitar de forma significativa as habituais falhas de atenção que podem decidir um jogo de póquer. Como se diz na gíria, “errar é humano”.
Um multiplicador de potencial
Um jogador de póquer que use HUDs tem à partida uma vantagem injusta sobre um jogador que jogue sem qualquer tipo de software acessório. No entanto, André Coimbra acredita que a principal mudança que aconteceu com a chegada dos HUDs aos circuitos online foi a possibilidade dos profissionais passarem a disputar múltiplas mesas em simultâneo. Uma habilidade que em muito beneficiou quem depende do póquer online para pagar as contas de casa, e que fez de sites como o 888 poker online autênticas minas de ouro. Antes da chegada dos HUDs, controlar mais do que duas mesas em simultâneo era um desafio que exigia bastante concentração. Mas com a ajuda do software complementar, jogadores profissionais conseguem maximizar os seus lucros ao disputar 4 a 6 mesas ao mesmo tempo.
Se por um lado este factor contribui para o estabelecimento de uma comunidade profissional de póquer cada vez maior, por outro lado pode limitar de forma agressiva as hipóteses de jogadores recém-chegados, que não usam HUDs e trackers e que não estão habituados a jogar contra profissionais.
Uma mudança inevitável
O póquer é cada vez mais visto como um desporto sério, em que os profissionais merecem ser valorizados, e já há até quem fale em fazer do póquer um desporto Olímpico. É no sentido de apontar a um cada vez maior profissionalismo, transparência, e sentido de justiça desportiva – o chamado fair-play – que várias empresas e serviços de renome têm vindo a operar as primeiras mudanças que indicam o fim dos HUDs e das tecnologias de revisão (trackers). A PartyPoker não só baniu os HUDs como deixou de disponibilizar informações relativas às mãos individuais dos seus utilizadores, tornando deste modo impossível o normal funcionamento dos trackers. A gigante PokerStars, por sua vez, aproveitou para lançar um novo motor gráfico em que o software normalmente associado aos HUDs é inviável.
Segurança e desportivismo
Muitas vezes associado aos velhos filmes de cowboys americanos, o póquer sempre foi um jogo um pouco à margem da boa conduta social. Pelo facto de ser tradicionalmente jogado em casinos, por nunca ter sido exposto – até muito recentemente – a uma ideia de jogador profissional que não contemplasse o clichè do viciado no jogo, e por envolver directamente o ganho e perda de dinheiro, o póquer ainda não é considerado um desporto pela maior parte dos cidadãos. No entanto, medidas como aquelas que pretendem erradicar os HUDs e trackers, assim como a tendência para um crescente oficialização e licenciamento (que ocorre principalmente ao nível do jogo online) correspondem a favoráveis indícios no sentido de um novo ponto de vista colectivo sobre a modalidade. Se não existem dúvidas acerca do facto de que o póquer é um jogo de habilidade, em que os jogadores são forçados a controlar não só as probabilidades da mesa como as suas próprias emoções, talvez esteja na hora de o começarmos colectivamente a encarar como um desporto justo e sério.